Era um final de tarde. Ou talvez fosse o começo de um dia. Difícil
saber. Naquela terra as coisas eram estranhas. O céu era alaranjado em algumas
partes, e fortemente amarelo em outras. As nuvens mais pareciam um mar de marmelada escorrendo por toda aquela vastidão,
num tom rosa-choque estourado. Um homem,
de cabelos grisalhos não muito grandes, apenas o suficiente para esvoaçar um
pouco com o vento que soprava da boca de alguns gigantes do ar que se
localizavam próximos de seu jardins, estava fumando um cachimbo com certo ar de
mafioso. Em volta dele, vários
dançarinos vestidos com roupas extravagantes faziam uma dança em sua homenagem.
Eles se encontravam extremamente suados e cansados, em prol das roupas
demasiadamente quentes, e das horas já dançadas naquele dia – ou naquela tarde,
talvez naquela noite, quem sabe – mas faziam bem o trabalho de fingir que
estavam alegres. A música que tocava ao fundo era muito estranha, e parecia vir
de uma vitrola encontrada no oco tronco de uma árvore magistral. O disco devia
estar riscado, pois produzia sons esquizofrênicos, que mais pareciam trilha
sonora de um parque de diversões assombrado. O velho apreciava sua musa, que
flutuava acima dele. Uma bela mulher, pálida como o interior de uma maçã, com
os cabelos fazendo formas lúdicas ao ar. Ah, seus cabelos... Que cabelos! Se a
beleza de uma mulher realmente se encontra em seu cabelo, então a jovem Lucy,
como o velho a chamava, era a mais bela de todas as mulheres. Era impossível
definir a cor daqueles fios. Ora estavam verdes, ora rosas, e às vezes formavam
um degradê que ia do rosa mais chamativo até o azul mais calmo, passando por um
amarelo suave. Enquanto dançava nos céus, Lucy eventualmente dava um ligeiro
olhar de canto do olho para o velho, que nesses instantes congelava por fora,
queimava por dentro e sentia um dragão subindo pelo seu corpo, num misto de
excitação e angústia. Ele nunca estivera tão vivo, nem mesmo quando
adolescente. Ela provocava tais sentimentos nele, que o faziam querer continuar
a viver, talvez para sempre, apenas para apreciar a beleza de sua deusa. Oh,
Lucy! Pensava o velho, enquanto tragava eu cachimbo, com os olhos marejados.
Suas bochechas continuavam secas, pois não admitiria chorar em frente a uma
dama, mas seus olhos azuis desgastados se poliam com as lágrimas que guardavam
lá para ocasiões especiais, tal como a morte de sua esposa, há mais ou menos um
ano. Lucy foi embora, dando um beijo em sua própria mão e soprando-o ao vento.
O beijo tomou a forma de um suave canário, e foi voando pelos céus até que
pousou na ponta do nariz do velho, explodindo em pequenos fogos de artifício, e
fazendo o coração daquele homem esquentar. Ele, que era muito rico, pagou os
dançarinos e os agradeceu, enquanto os mesmos se curvaram para indicar o final
bem sucedido de uma apresentação longa. O velho foi-se embora para sua mansão,
e se programou mentalmente para despertar na mesma hora amanhã, e ir apreciar a
bela Lucy no mesmo horário. E foi isso que fez, pra sempre. Ou ao menos, até
falecer.
Esse conto eu acabei de escrever, baseado em uma certa música. Eu imaginei tudo em forma de quadrinhos e em forma de ilustração na minha mente, então acho que compensa fazer uma versão de um dos dois jeitos depois. Provavelmente, em quadrinhos. Agradeço ao Tolkien pela inspiração, li as primeiras páginas de Silmarillion e já bateu a vontade de escrever, haha.
Pedro, seus textos são deliciosos. Também agradeço ao Tolkien pelos maravilhosos livros. abraço
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